domingo, 27 de dezembro de 2009

''Prometeu acorrentado''

'' ... PROMETEU

Ai de mim! Doloroso será, para mim, vo-lo contar, mas não menos doloroso silenciar; tudo agrava a minha angústia. O ódio acabara de romper entre os deuses em dissídio. Uns queriam, expulsando Saturno, dar o cetro a Júpiter; outros, ao contrário, esforçavam-se por afastá-lo do trono. Em vão procurei dar os mais prudentes conselhos aos filhos do Céu e da Terra, os Titãs; sua audácia desprezava todo o artifício, toda a habilidade; eles supunham triunfar sem esforço graças a seu próprio poder.

Quanto a mim, Têmis, minha mãe, e a própria Terra, adorada sob tantos nomes diversos, me tinham profetizado que, no combate prestes a travar-se, a força e a violência de nada valeriam; o ardil, tão somente, decidiria da vitória. Quando lhes anunciei este oráculo, mal consentiram em ouvir-me! Em tal emergência, pareceu-me prudente, acompanhando minha mãe, adotar o partido de Júpiter, que insistia comigo para que o apoiasse. Graças a mim, e a meus conselhos, foi-lhe possível precipitar nos negros, e profundos abismos do Tártaro, o venerando Saturno e todos os seus defensores. Após tamanho serviço, eis o prêmio ignóbil com que me recompensou o tirano do céu! Tal é a prática freqüente da tirania: a ingratidão para com seus amigos... Mas o que tanto quereis saber: a causa do meu suplício, eu vou dizer agora.

Logo que se instalou no trono de seu pai, distribuindo por todos os deuses honras e recompensas, ele tratou de fortificar seu império. Quanto aos mortais, porém, não só lhes recusou qualquer de seus dons, mas pensou em aniquilá-los, criando em seu lugar uma raça nova. Ninguém se opôs a tal projeto, exceto eu. Eu, tão somente, impedi que, destruídos pelo raio, eles fossem povoar o Hades. Eis a causa dos rigores que me oprimem, deste suplício doloroso, cuja simples vista causa pavor. Porque me apiedei dos mortais, ninguém tem pena de mim! No entanto, tratado sem piedade eu sirvo de eterna censura à prepotência de Júpiter.

O CORO

Que coração de granito, ou de ferro, deixará de partilhar de teu sofrimento, ó Prometeu? Nós, que o vimos, temos o coração transpassado pela dor.

PROMETEU

Sem dúvida, meus amigos se condoerão de mim.

O CORO

Mas... nada mais fizeste, além disso?

PROMETEU

Graças a mim, os homens não mais desejam a morte.

O CORO

Que remédio lhes deste contra o desespero?

PROMETEU

Dei-lhes uma esperança infinita no futuro.

O CORO

Oh! que dom valioso fizeste aos mortais!

PROMETEU

Além disso, consegui que eles participem do fogo celeste.

O CORO

O fogo?!... Então os mortais já possuem esse tesouro?

PROMETEU

Sim; e desse mestre aprenderão muitas ciências e artes.

O CORO

E por isso é que Júpiter te castiga tão cruelmente? Não terás, por acaso, um repouso sequer? Virá, um dia, o termo de teus males?

PROMETEU

Nenhum fim, senão o que ele quiser.

O CORO

E acaso quererá ele, um dia? Não sentes o teu crime? Censurá-lo, porém, não nos causa prazer, e agrava tuas dores. Silenciemos, pois, e trata de te libertar.''


''Prometeu acorrentado'' - Ésquilo