Museu da Cortiça de Silves em risco
''Em baixo, divulgamos uma declaração da direcção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM sobre a situação em que se encontra o Museu da Cortiça de Silves.
Em Defesa do Museu da Cortiça de Silves
A Direcção da Comissão Nacional do ICOM (Conselho Internacional dos Museus) tem vindo a acompanhar, com preocupação crescente, a situação vivida pelo Museu da Cortiça, situado no perímetro da chamada Fábrica do Inglês, em Silves.
Segundo notícia da imprensa, o empreendimento comercial em que o mesmo Museu se insere, designado por Fábrica do Inglês S.A., encontra-se em situação financeira crítica, virtualmente em situação de falência. Neste contexto e não obstante a participação, mais teórica do que real, da Câmara Municipal de Silves no capital constituinte da citada sociedade comercial, o Museu da Cortiça corre o risco de encerrar, sendo imprevisível o destino a dar ao seu preciosíssimo acervo.
A acontecer, esta situação constituirá um exemplo sem precedentes no nosso País, o qual causa a maior perplexidade, tanto mais que o referido projecto e museu foram durante alguns anos apresentados como exemplos paradigmáticos de uma nova modalidade de articulação entre as finalidades colectivas e as conveniências privadas, na gestão de acervos museológicos unanimemente reconhecidos como de interesse público. Recorde-se a propósito que o Museu da Cortiça de Silves, recebeu o prémio de Museu Europeu do Ano, em 2001, tendo o júri referido precisamente o carácter englobante do projecto.
Importa-nos sobremaneira salientar o interesse público que está em causa: o Museu da Cortiça é detentor de um acervo, seja na vertente de instalações equipamentos industriais em exposição, seja na vertente de arquivo documental em reserva, que nenhuma forma pode ser alienado do uso público e muitos menos desbaratado, por desmembramento, venda ou abandono. As autoridades de tutela do património industrial e dos museus, tanto a nível nacional como sobretudo a nível municipal, instituem-se perante o País como garantes da salvaguarda deste acervo, devendo os seus titulares ser pessoalmente responsabilizados pelos actos ou omissões que pratiquem neste contexto.
Os organismos do Estado e os seus agentes têm de actuar como pessoas de bem. O que significa respeitar escrupulosamente a garantia da perenidade dos acervos que constituem memória colectiva. Não se trata sequer de matérias referendáveis, tal como se não referenda a alienação de monumentos ou tesouros nacionais, por muito que a sua manutenção represente um encargo e a sua venda pudesse constituir um alívio momentâneo das finanças públicas. Há bens que não se vendem; há hesitações ou desinteresses que não se perdoam.
Estamos esperançados em que o bom senso prevaleça e que a presente situação crítica seja ultrapassada. E que das ameaças se façam oportunidades, o que significa neste caso adoptar as medidas que coloquem o Museu da Cortiça ao abrigo de sobressaltos equivalentes no futuro. Medidas que podem até ser relativamente simples: separar o Museu do projecto comercial no seu todo, reforçando a sua personalidade própria: entrada autónoma, regulamento interno de funcionamento, fixação de um quadro de pessoal mínimo, invertendo a situação de despovoamento em meios humanos que vinha existindo do antecedente. Impõe-se igualmente proceder no mais curto prazo ao inventário exaustivo de todo o acervo, única forma de garantia do seu controlo e da sua desejada perenidade.
Se isto for feito, o Museu da Cortiça pode regressar aos dias em que teve mais de 100 mil visitantes anuais. E a cidade de Silves pode voltar a orgulhar-se por ter um museu único, que já foi considerado o Melhor da Europa no seu género.''
A Direcção da Comissão Nacional Portuguesa do ICOM,
em 15 de Dezembro de 2009.